Na terça-feira, 16 de dezembro de 2025, mais de 120 mil funcionários dos Correios em sete estados iniciaram uma greve geral por tempo indeterminado, após a direção da estatal recusar manter benefícios essenciais como o vale-peru de R$ 2.500, o adicional de 70% nas férias e o pagamento de 200% nos finais de semana. A decisão foi tomada em assembleias em São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bauru — onde mesmo sem indicativo oficial do sindicato, os trabalhadores aprovaram a paralisação às 22h. A crise chegou ao ponto de ruptura porque, ao invés de negociar um reajuste real, os Correios ofereceram apenas correção pela inflação, retroativa a agosto de 2025, e cortaram itens que há anos fazem parte do acordo coletivo. É como se, depois de anos de sacrifício, os funcionários fossem cobrados por uma crise que não criaram.
Uma empresa à beira do colapso
Os Correios acumulam prejuízo de R$ 6,1 bilhões até setembro de 2025, o maior da história da estatal. Em 2025, a despesa com pessoal deve chegar a R$ 15,1 bilhões — 65,8% de todos os gastos correntes da empresa. Para se ter ideia, em 2024, os salários e benefícios já representavam 62,8% do total. Enquanto isso, as receitas correntes caíram 6,6% em um ano, de R$ 23,1 bilhões para R$ 21,5 bilhões. A situação ficou insustentável quando, em 2 de dezembro, o Tesouro Nacional negou o aval para um empréstimo de R$ 20 bilhões que os Correios tentavam garantir com garantia estatal. Sem dinheiro para operar e sem crédito, a direção resolveu apertar o cinto — e escolheu cortar o que mais pesa no bolso dos trabalhadores.Reestruturação ou sacrifício?
A proposta da atual gestão dos Correios não é apenas de reajuste zero. É de transformação radical: ampliar o Programa de Demissão Voluntária (PDV) para reduzir em 15 mil o quadro de funcionários até 2027 — 10 mil em 2026 e outros 5 mil em 2027. A promessa? Economizar R$ 1,4 bilhão por ano. Mas os sindicatos veem isso como um plano de desmonte. "Não é reestruturação, é desmonte com a cara da austeridade", disse um dirigente do Sindicato dos Correios de São Paulo. "Eles querem transformar uma empresa de serviço público em uma operação de baixo custo, como se o correio fosse só entrega de encomenda, e não um direito constitucional."Ainda mais polêmico: o Correios já avisou que não renovará o atual Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que vigorava até 15 de dezembro. A empresa entrou com pedido de mediação no Tribunal Superior do Trabalho em 11 de dezembro, buscando flexibilizar cláusulas que vão além da CLT — como o vale-peru, que já era considerado um gesto de reconhecimento, não um luxo. "Esse benefício era parte do pacto de convivência entre empresa e trabalhador. Cortar isso é desrespeito", afirmou um carteiro de Belo Horizonte, que trabalha há 22 anos.
A resposta do governo e a solidariedade dos trabalhadores
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não se esquivou da responsabilidade. "Empresas privadas ficaram com o 'filé mignon' da logística e deixaram 'osso' aos Correios", disse em entrevista. Ele reconheceu que os funcionários não são culpados pela crise e que não podem ser os únicos a pagar por ela. A posição do governo é clara: o plano de reestruturação dos Correios está em análise, mas não pode ser feito à custa da dignidade dos trabalhadores.Na prática, isso significa que o Tribunal Superior do Trabalho, liderado pelo ministro Guilherme Caputo, agora tem o papel de mediador entre duas posições irreconciliáveis: uma empresa que diz não ter mais como manter o status quo, e trabalhadores que veem cada corte como um ataque à identidade da profissão. A greve já afeta 7 estados, mas a tendência é que se espalhe. Em Brasília, onde a sede da empresa fica, os sindicatos estão em contato com outros estados para coordenar uma paralisação nacional.
Um espelho da Petrobras e da Eletrobras
O cenário nos Correios não é isolado. É o mesmo que se viu na Petrobras e na Eletrobras nos últimos anos: estatais que foram desmanteladas sob o discurso de eficiência, mas que na prática perderam capacidade de investir, manter mão de obra qualificada e cumprir seu papel social. "Não é má gestão. É política", diz o economista Carlos Mendes, da UFRJ. "Quando o governo corta investimento, proíbe empréstimos e exige que a empresa se auto-financie, ela tem duas opções: quebrar ou cortar pessoas. Eles escolheram a segunda."Os Correios operam em mais de 12.500 agências em todo o Brasil. Em muitas cidades do interior, são a única instituição pública que ainda mantém presença física diária. Cortar serviços, demitir funcionários e eliminar benefícios não é só um problema trabalhista — é um problema de acesso, de equidade, de cidadania.
O que vem a seguir?
A próxima reunião no Tribunal Superior do Trabalho está marcada para 23 de dezembro. Se não houver avanço, a greve pode se tornar nacional. O governo já sinalizou que pode intervir, mas não há sinal claro de que vá liberar recursos. Enquanto isso, os trabalhadores se organizam: cozinhas comunitárias surgiram nas sedes sindicais, campanhas de solidariedade se espalham nas redes, e até motoristas de aplicativo estão oferecendo carona gratuita para funcionários que vivem longe das agências.Um funcionário de 58 anos, que começou nos Correios em 1985, me disse: "Eu não quero ser herói. Só quero que me deem o que já foi prometido. Não é pedir muito. É pedir justiça."
Frequently Asked Questions
Por que o vale-peru foi cortado e por que isso gera tanta revolta?
O vale-peru de R$ 2.500 era um benefício consolidado no Acordo Coletivo desde 2010, não um bônus esporádico. Para os trabalhadores, é um reconhecimento simbólico e financeiro por anos de trabalho em condições difíceis, especialmente em regiões remotas. Cortá-lo sem alternativa é visto como uma ofensa à dignidade profissional — e não apenas um corte de salário, mas um sinal de desvalorização da categoria.
Qual é o impacto da greve na população?
Com a paralisação, o envio de documentos, pensionistas, remédios e correspondências oficiais está suspenso. Em cidades pequenas, onde os Correios são a única forma de entrega confiável, famílias que dependem de aposentadorias e benefícios sociais correm risco de atrasos. O impacto é maior no Nordeste e no Norte, onde a infraestrutura privada de logística é quase inexistente.
A empresa tem mesmo condições financeiras para manter os benefícios?
Os Correios gastam R$ 15,1 bilhões com pessoal em 2025, mas recebem apenas R$ 21,5 bilhões em receitas correntes. A margem é apertada, mas o corte de benefícios não resolve a crise estrutural. O problema real é a perda de receitas com o declínio do correio tradicional e a concorrência desleal de empresas privadas que operam sem obrigações sociais. Cortar salários não gera receita — apenas mais descontentamento.
O que o Tribunal Superior do Trabalho pode fazer se não houver acordo?
O TST pode impor uma solução provisória, como a manutenção dos benefícios até nova negociação, ou até declarar a proposta da empresa como abusiva. O ministro Guilherme Caputo já sinalizou que a greve é legítima, mas a decisão final depende da análise técnica do acordo. O tribunal também pode exigir que o governo apresente um plano de sustentabilidade para a empresa, não apenas um plano de demissões.
A greve pode se tornar nacional?
Sim. Sindicatos de Rio Grande do Norte, Bahia e Paraná já anunciaram que vão votar em assembleias nos próximos dias. Se a greve for mantida por mais de 10 dias, a pressão política aumenta — e o governo pode ser forçado a intervir. Ainda que o Tesouro Nacional tenha negado o empréstimo, há pressão crescente para que o Ministério da Fazenda reavalie a posição, especialmente com o Natal se aproximando e a população já sentindo o impacto.
O que os trabalhadores querem, na prática?
Eles não pedem aumento acima da inflação. Pedem o que já foi acordado: reajuste pela inflação, manutenção do vale-peru, adicional de férias e pagamento de 200% nos finais de semana. Além disso, querem que o governo invista na modernização da empresa, não na sua redução. A reivindicação é de sobrevivência institucional, não de privilégio.
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