A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que retira o direito de votar de pessoas em prisão provisória no Brasil — uma mudança radical que desafia décadas de interpretação da Constituição Federal de 1988. A medida, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), foi incluída no Projeto de Lei 5.582/2025, conhecido como PL Antifacção, e aprovada por 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção. A sessão, realizada às 14h30 no Palácio do Congresso Nacional, em Brasília, marcou um ponto de virada na relação entre justiça penal e direitos civis. Voto não é mais visto como um direito universal — ao menos, não para quem ainda aguarda julgamento.
Um contrassenso para alguns, justiça para outros
Van Hattem foi direto: "Não faz sentido a pessoa que está afastada do convívio social decidir nas urnas o futuro da sociedade." Ele chamou o voto de presos provisórios de "regalia", algo que, segundo ele, contradiz o próprio conceito de cidadania. "O voto pressupõe liberdade. E quem está preso não tem liberdade. Ponto final." A justificativa não é apenas moral — também é prática. O relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP), destacou que o Estado gasta milhões por ano mobilizando policiais, juízes e equipamentos para instalar seções eleitorais dentro de presídios. Em 2024, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 6.000 presos provisórios votaram em eleições municipais. Nenhum deles havia sido condenado. Nenhum.
Isso acontece porque a Constituição brasileira só tira o direito de votar após sentença transitada em julgado — ou seja, quando não resta mais recurso. Até lá, a presunção de inocência é sagrada. Mas a emenda de Van Hattem não altera isso. Ela apenas suspende temporariamente o direito de se alistar ou manter o título enquanto estiver preso preventivamente. "Não é pena antecipada", garantiu o deputado. "É uma condição de fato. Como você vota se está trancado?"
O que muda na prática?
Se aprovada no Senado, a emenda fará com que o TSE cancele automaticamente os títulos de eleitores que estejam em prisão provisória. A partir daí, eles só poderão recuperar o direito se forem soltos — ou se forem condenados e cumprirem pena. Mas atenção: se forem absolvidos, o título será reativado sem necessidade de novo cadastro. É um mecanismo técnico, mas com peso político enorme.
Os críticos, como o Psol e a Rede Sustentabilidade, dizem que isso é uma violação da presunção de inocência disfarçada de eficiência. "Você está punindo antes de julgar", afirmou a deputada Talíria Petrone (Psol) em discurso. "Isso não combate crime organizado. Combate pobres, negros e jovens que não têm condições de pagar um bom advogado." Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que 73% dos presos provisórios no Brasil são negros e 62% têm menos de 30 anos. Muitos estão lá por falta de condições para pagar fiança — não por periculosidade.
O PL Antifacção: mais do que voto
A emenda sobre o voto é só a ponta do iceberg. O PL Antifacção é um pacote de 120 alterações na legislação penal. Entre elas: penas de 20 a 40 anos para "domínio social estruturado" — um novo crime que abrange facções, milícias e grupos paramilitares que controlam territórios. Líderes podem chegar a 66 anos. Condenados por crimes hediondos com morte, mesmo que primários, terão de cumprir 75% da pena em regime fechado, em vez dos 50% atuais. E, pela primeira vez, o juiz poderá decretar o perdimento de bens mesmo sem condenação penal — se houver indícios claros de origem ilícita.
Além disso, o projeto proíbe anistia, indulto e liberdade condicional para líderes de organizações criminosas. Eles serão encaminhados para presídios federais de segurança máxima. A Receita Federal e o Banco Central ganham poderes para congelar e apreender bens em tempo real — sem precisar esperar o fim do processo.
Por que isso importa para você?
Porque isso muda o que significa ser cidadão no Brasil. Até agora, mesmo quem estava preso — mesmo que por erro, por falta de dinheiro, por demora da Justiça — mantinha o direito de escolher quem governaria. Agora, esse direito é condicionado à situação de liberdade. É um sinal: a cidadania não é mais automática. É algo que se ganha, ou se perde, por comportamento.
Isso pode reduzir custos e riscos operacionais — mas também pode aumentar a desigualdade. Se você é pobre, negro, mora em favela e é preso preventivamente por um crime que não cometeu, você perde o voto. E não por sentença. Por estar preso. E isso pode durar anos.
Próximos passos
Agora, o texto vai para o Senado Federal. Lá, precisará ser aprovado em dois turnos — e há pressa. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já disse que quer votar antes do final do ano legislativo, em dezembro. A bancada governista, no entanto, está dividida. Alguns temem que a medida seja usada politicamente para deslegitimar eleições em áreas com alta incidência de prisões. Outros veem nisso uma oportunidade de mostrar que o Estado está "cortando a raiz do mal".
Enquanto isso, o debate continua. Em São Paulo, um grupo de advogados já prepara uma ação no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade da emenda. Em Recife, presos provisórios começaram a se organizar para protestar. E em Brasília, o governo ainda não se posicionou oficialmente.
Frequently Asked Questions
Quem perde o direito de votar com essa nova regra?
Apenas pessoas em prisão provisória — ou seja, que ainda não foram condenadas e estão aguardando julgamento. Não afeta presos condenados com sentença transitada em julgado, já que eles já perdem o direito de votar por lei. Também não afeta quem está sob prisão domiciliar, liberdade condicional ou em regime semiaberto. O cancelamento do título ocorre automaticamente pelo TSE assim que o sistema identificar o status de prisão provisória.
Isso viola a presunção de inocência?
Os autores da emenda dizem que não, porque a suspensão é temporária e não é uma pena. Mas críticos argumentam que, na prática, é uma punição antecipada. A Constituição garante que só após condenação definitiva se perdem direitos políticos. Se a emenda for sancionada, é quase certo que o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir — e a decisão pode vir em meses, não anos.
Quantos presos provisórios votaram nas últimas eleições?
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 6.000 presos provisórios votaram nas eleições municipais de 2024. O número é maior do que o de eleitores em cidades como Criciúma (SC) ou Barueri (SP). A maioria estava presa por crimes como tráfico, roubo ou porte ilegal de arma — mas ainda não tinha condenação. A maioria também era jovem, negro e de baixa renda, segundo dados do CNJ.
O que acontece se um preso provisório for absolvido?
Se for absolvido ou se a prisão provisória for decretada ilegal, o título de eleitor é automaticamente reativado pelo TSE, sem necessidade de novo cadastro. O sistema já tem mecanismos para isso: quando o juiz libera o preso ou decreta a nulidade da prisão, o órgão eleitoral é notificado. Mas o processo pode levar até 90 dias — e muitos não sabem disso. A falta de informação pode deixar pessoas sem voto por muito tempo, mesmo após a justiça reconhecer seu erro.
O PL Antifacção vai realmente reduzir a violência?
Especialistas em segurança pública dizem que a repressão sozinha não resolve. O Brasil já tem leis rígidas — o problema é a falta de aplicação. A criação de novos crimes, como "domínio social estruturado", é simbólica. O que realmente importa é investimento em inteligência, policiamento de proximidade e desmantelamento das redes financeiras das facções. Sem isso, o PL pode gerar mais presos, não menos violência.
O que acontece se o Senado não aprovar?
Se o Senado rejeitar a emenda, a regra atual permanece: presos provisórios continuam elegíveis. Mas a pressão política já mudou o debate. Mesmo sem virar lei, a proposta já influenciou o discurso de governadores e prefeitos, que passaram a exigir que o TSE reavalie a logística de votação em presídios. A tendência é que, em 2026, haja mais fiscalização e menos seções eleitorais instaladas — mesmo sem lei.
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