Quando Jesse Han, astrophysicist do Harvard & Smithsonian Center for Astrophysics anunciou, em 15 de março de 2024, a descoberta de um buraco negro supermassivo na Grande Nuvem de Magalhães (LMC), a comunidade científica ficou em choque. A evidência veio da análise de 21 estrelas hipervelozes, cujas trajetórias apontam para um núcleo galáctico outrora invisível, a cerca de 160 000 anos‑luz da Terra.

Como os astrônomos encontraram o que antes era invisível

O estudo, aceito para publicação no The Astrophysical Journal, baseou‑se em medições de velocidade extremamente precisas obtidas por telescópios terrestres e espaciais. Nove das estrelas analisadas mostraram vetores de movimento que, quando retro‑calculados, convergem para o centro da LMC. Outras sete apontam para o centro da Via Láctea, enquanto cinco ainda permanecem sem origem clara.

Para entender o que aconteceu, os pesquisadores recorreram ao chamado “mecanismo de Hills”. Imagine duas estrelas girando em torno uma da outra; quando se aproximam demais de um buraco negro supermassivo, a gravidade extrema captura uma e ejeta a outra a velocidades que ultrapassam 1 000 km/s. Essa dinâmica explica por que as estrelas provenientes da LMC chegam à Via Láctea a velocidades tão altas.

O que a descoberta revela sobre a LMC

A LMC sempre foi conhecida por abrigar estrelas massivas e supernovas, mas nunca se suspeitou que ela hospedasse um núcleo tão pesado. De acordo com as simulações de Han e equipe, o buraco negro teria massa de cerca de 600 000 vezes a do Sol – menor que Sagitário A* (≈4 milhões de sóis), porém ainda assim impressionante para uma galáxia anã. A presença desse núcleo também explicaria a “superdensidade de Leão”, uma região no céu da constelação de Leão com concentração estelar acima da média.

Além de gerar estrelas hipervelozes, o buraco negro pode estar influenciando a estrutura da própria LMC, alterando órbitas de nuvens de gás e potencialmente desencadeando episódios de formação estelar em áreas ainda não observadas.

Repercussões para a astronomia de buracos negros

Tradicionalmente, a presença de um buraco negro supermassivo é confirmada por emissões de radiação – raios X, ondas de rádio, etc. No caso da LMC, não há sinal evidente de acreção ativa, o que sugere que muitos núcleos galácticos podem estar “adormecidos” e escapar à detecção convencional. Ao usar estrelas hipervelozes como marcadores, os cientistas ganharam um novo arsenal para sondar galáxias que, de outra forma, seriam invisíveis.

Se outros buracos negros semelhantes forem encontrados usando a mesma técnica, poderemos precisar revisar estimativas de quantos núcleos supermassivos realmente existem no Universo local. Isso teria consequências diretas para modelos de formação de galáxias e para o cálculo de massa total do arranjo galáctico da Via Láctea.

O que os especialistas dizem

O que os especialistas dizem

"É como descobrir um iceberg que estava bem ao lado do navio o tempo todo", comentou a professora Maria Oliveira, da Universidade de São Paulo, especialista em dinâmica estelar. Ela acrescentou que a descoberta abre caminho para “uma nova geração de estudos que combinam astrometria de alta precisão com modelos gravitacionais avançados”.

Já o pesquisador britânico David Clarke, do Instituto de Astrofísica de Cambridge, apontou que a massa estimada (600 000 sóis) coloca o objeto em uma categoria intermediária, o que pode nos ajudar a entender a transição entre buracos negros de massa estelar e os gigantes centrais.

Próximos passos e missões futuras

O próximo objetivo da equipe liderada por Han é obter observações de alta resolução no espectro infravermelho, usando o Telescópio Espacial James Webb, para tentar detectar qualquer assinatura de gás aquecido ao redor do núcleo. Paralelamente, projetos como o Gaia‑NIR e o Rubin Observatory devem ampliar o catálogo de estrelas hipervelozes, possibilitando a identificação de outros possíveis “buracos negros silenciosos”.

Enquanto isso, a comunidade astronômica permanece atenta ao movimento orbital da LMC ao redor da Via Láctea. Qualquer mudança na trajetória do buraco negro poderia gerar novos surtos de estrelas hipervelozes, oferecendo um laboratório natural para testar teorias gravitacionais.

Pontos‑chave da descoberta

Pontos‑chave da descoberta

  • 9 estrelas hipervelozes têm origem na Grande Nuvem de Magalhães;
  • O buraco negro central estima‑se em ~600 000 massas solares;
  • Descoberta publicada em 15/03/2024 no The Astrophysical Journal;
  • Primeira evidência direta de um buraco negro supermassivo em uma galáxia anã;
  • Abre caminho para detectar núcleos “adormecidos” usando astrometria.

Perguntas Frequentes

Como os astrônomos determinaram que as estrelas vêm da LMC?

Eles mediram as velocidades e direções das 21 estrelas usando dados do Gaia e, ao retroceder suas trajetórias, nove delas convergiram para o centro da Grande Nuvem de Magalhães. O cálculo leva em conta a gravidade da Via Láctea e da própria LMC, confirmando a origem.

Por que o buraco negro da LMC é chamado de “silencioso”?

Ao contrário de Sagitário A*, ele não emite fortes sinais de raios X ou rádio, pois não está acumulando material de forma ativa. Sem essas emissões, ele passa despercebido em pesquisas que dependem apenas de radiação.

Qual a importância da “superdensidade de Leão” na descoberta?

A região de Leão apresenta um número anormalmente alto de estrelas, algo que os modelos replicaram ao incluir um buraco negro massivo na LMC. Essa coincidência reforçou a hipótese de que o núcleo galáctico está influenciando a distribuição estelar.

Como essa descoberta afeta o entendimento da formação de galáxias?

Mostra que até galáxias anãs podem abrigar núcleos supermassivos, o que sugere que a presença desses objetos pode ser mais comum do que se acreditava. Isso pode mudar modelos que ligam o crescimento de buracos negros ao tamanho da galáxia hospedeira.

Quais observações futuras podem confirmar a massa do buraco negro?

Observações no infravermelho com o James Webb e espectroscopia de alta resolução podem detectar movimentos de gás circundante. Além disso, o Rubin Observatory deverá revelar novas estrelas hipervelozes que servirão como indicadores gravitacionais.